28 de fevereiro de 2007

28. Ovos

«After that it got pretty late, and we both had to go, but it was great seeing Annie again. I... I realized what a terrific person she was, and... and how much fun it was just knowing her; and I... I, I thought of that old joke, y'know, the, this... this guy goes to a psychiatrist and says, "Doc, uh, my brother's crazy; he thinks he's a chicken." And, uh, the doctor says, "Well, why don't you turn him in?" The guy says, "I would, but I need the eggs." Well, I guess that's pretty much now how I feel about relationships; y'know, they're totally irrational, and crazy, and absurd, and... but, uh, I guess we keep goin' through it because, uh, most of us... need the eggs.»

Woody Allen in «Annie Hall»

27 de fevereiro de 2007

27. Laerte é um poema

O famoso, culto, premiado e modesto Laerte
também tem saite na internerte.

26 de fevereiro de 2007

26. Felizmente...

- não nasci na Somália;
- não partilho o gabinete com o José Saramago;
- o meu vizinho de cima não é o Meat Loaf;
- a água em Lisboa é, em geral, potável;
- o terramoto de 12 de Fevereiro foi pequeno;
- a linha verde só avaria de vez em quando;
- a bolsa está a subir;
- possuo um telecomando para a televisão (i.e. não preciso de ver a Hora H);
- as araras não são um animal de estimação comum;
- a maioria dos portugueses falam português;
- os restaurantes chineses e o Pingo Doce estão abertos ao domingo.

Pensamentos positivos para uma segunda-feira.

25 de fevereiro de 2007

25. Ursos

Sempre gostei muito de leite com chocolate. No início era Nesquik. Às vezes bebia-se Toddy, que tinha a vantagem de trazer alguns brindes dentro. Normalmente miniaturas de cães.
Nos anos 70 havia ainda outra alternativa: por vezes atravessava-se a fronteira e enchia-se o Volkswagen Brasilia com embalagens de Cola Cao, pêssego em calda e gel de banho. O Cola Cao passou a ser o meu favorito. Quando acabava, entre viagens a Badajoz, ao pequeno-almoço, maldizia as colheradas de Nesquik que me deitavam no leite.
Depois veio a CEE e o Cola Cao instalou-se por cá. Mas infelizmente já era tarde de mais para mim. Apesar de ainda o apreciar bastante, já não chegou a tempo de satisfazer a minha ansiedade infantil.
Os anos 90 trouxeram modalidades mais requintadas: ainda comprei algumas vezes o pretencioso Cadbury. Mas o meu alinhamento com o movimento operário impedia-me de continuar a consumir produtos de gama alta.
E foi assim que, com agrado, descobri o achocolatado instantâneo do Continente. É saboroso. Tem uma embalagem honesta, fabricada com folha de alumínio e cartolina. Gosto também do urso que, tendo o tamanho de uma chávena, espeta o seu polegar e me convida, com uma vitalidade quase lasciva, a ter um dia positivo.
Se ignorar o polegar espetado, que associo ao modelo de sucesso norte-americano, o resto da embalagem transporta-me para a Leninegrado dos anos 60. Produtos únicos, embalagens simples, qualidade sofrível, bonecos risonhos. Acho que isso tem muito a ver com o ursinho Misha (mascote dos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980).

24 de fevereiro de 2007

24. O Braço de Prata

«Nas minimas cousas se mostra o intimo parentesco que ha entre Portugal e Brazil. Um exemplo. Contiguo a Lisboa, para o oriente, fica o ameno mas pequeno arrabalde chamado o Braço de Prata. - Pois este nome do suburbio Lisboeta importa uma gloriosa memoria brazileira. E' o caso que na celebre guerra para libertar Pernambuco do dominio hollandez no seculo XVII, serviu com distincção o illustre fidalgo portuguez D. Antonio de Sousa de Macedo, que n'essa guerra perdeu um dos braços e o substituiu por outro de prata, pelo que passou a ser alcunhado o Braço de Prata: tinha n'aquele suburbio importantes terrenos, e, por isso, esta sua antonomasia ficou sendo denominação do sitio.»

Novo Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o anno de 1895

22 de fevereiro de 2007

22. Capricho e preconceito

Li ontem na revista do Expresso de 9 de Fevereiro a coluna de opinião da Clara Ferreira Alves. O meu já conhecido problema de desfasamento informativo levou a que tenha escrito no dia 12 antes de ler a referida coluna.
Apesar de concordar com muitas das afirmações (as que dizem respeito ao regime político e económico), fiquei um pouco surpreendido (ou talvez não) com outras (as que dizem respeito à cultura e sociedade):
«... acho a sociedade chinesa cruel, fechada e desinteressante, remota em relação aos nossos gostos e conceitos.»
«Os chineses são impenetráveis...»
«Tudo, na China, é estranho à sensibilidade europeia, e não é pelo facto de a China ser uma potência emergente que se tornou uma sociedade mais humana ou mais amável
«... é impossível não perguntarmos o que diabo fazem tantas lojas chinesas em território português e quem sustenta e apoia estes comerciantes que resolvem vir para Portugal e para uma região de Portugal que está nos antípodas da sua sensibilidade, como o Alentejo.»

Note-se que nunca estive na China. Nem no «Oriente». Mas a minha sensibilidade europeia está, aparentemente, nos antípodas da «sensibilidade» da Clara Ferreira Alves.

21 de fevereiro de 2007

21. Deveras aliciante

Procurei e encontrei: o Paulo Dimas está no Sol. Mas procurei e não encontrei o Raul Durão. Nem o Ponto por Ponto. Parece-me que há um défice de memória histórica da televisão. Assim não posso escrever aqui em que anos via o Ponto por Ponto (1988-1992?), nem em que canal passava (1 ou 2?), nem quando acabou a mira técnica, nem porque acabaram os avisos da Polícia Judiciária «Desapareceu de sua casa...». É por isto que me arrependo de ter deitado fora a colecção de Tv Guias dos anos 80.
Para deixar o registo deste passado televisivo:
1. O Ponto por Ponto era um «magazine» televisivo que preenchia a tarde dos dias de semana no final dos anos 80 e início dos anos 90.
2. Tinha vários «apontamentos de reportagem», apresentados pelo Raul Durão, e «rubricas», apresentadas por diversos especialistas.
3. O Paulo Dimas apresentava a «rubrica» de jogos de computador. O Vasco Brilhante, o cinema. O Artur Varatojo, o crime. Alguém apresentava coisas sobre ciência.
4. A mira técnica acabou de forma pouco clara, em 1992 (?), depois de referendo nacional sobre o assunto.
5. Os avisos da Polícia Judiciária sobre os desaparecidos acabaram porque a nervosa comunidade nórdica de Lisboa não suportava saber que aquelas pessoas andavam à solta pelo país.

20 de fevereiro de 2007

20. Momento político

Para além de rimar, o Carnaval do Funchal foi enriquecido este ano pela demissão do Presidente do Governo Regional da Madeira*. A má notícia é que deverá ser reeleito nas próximas eleições. No entanto, ainda há esperança pois a votação do Partido do Governo tem vindo a descer lentamente:

1976: 59,6%
1980: 65,3%
1984: 59,8%
1988: 62,4%
1992: 56,9%
1996: 56,9%
2000: 56,0%
2004: 53,7%
2007: ?,?%.

Além disso, ainda o referendo do aborto: na Madeira a percentagem do Não desceu de 76 para 65%. Apesar destes sinais, pelas últimas declarações, a oposição dos «cubanos» terá já desistido de tentar chegar ao poder no Funchal.

Entretanto, ainda não comecei a ler as Recreações Botânicas da Marquesa de Alorna.

* Sim, é o senhor do bombo.

19 de fevereiro de 2007

19. Interlúdio

«... Entendes? Mas foi melhor assim. Eu não podia continuar naquela casa depois do que ela disse sobre as Recreações Botânicas da Marquesa de Alorna.»

18 de fevereiro de 2007

18. Almanaque

«Os carros do Minho

Uma coisa inteiramente especial e digna de estudo é o aspecto das numerosas diligencias, breacks e chars-á-bancs, que circulam sobre as estradas do Minho, desde os Arcos e desde Ponte do Lima até Vianna.

Dois pequenos garranos, quando não é um só, puxam por cima do macadam faiscante de sol as mais phantasticas carradas de gente e de objectos que a imaginação póde conceber. Dentro do vehiculo senta-se a primeira camada de passageiros nas bancadas. Depois de todos os lugares occupados estrictissimamente, á cunha, o vehiculo considera-se completamente vazio, e mette-se-lhe a segunda camada de passageiros, collocada exactamente em cima da primeira. Feita esta operação começa o interior do carro a achar-se quasi cheio, mas não cheio de todo, porque entre o tecto, os joelhos e os bustos dos passageiros da segunda camada, nota-se ainda um espaço oblongo a toda a extensão da berlinda, desde a portinhola do fundo até ao vidro da frente. Preenchido este espaço com um passageiro extendido ao comprido, passa-se a occupar os bancos da imperial e o tejadilho.

Fóra, em vez de ir empilhados como no interior, os passageiros são ensandwichados methodicamente com as bagagens e com as mercadorias, pela ordem seguinte: camada de mercadorias, primeria camada de passageiros, primeira camada de bagagens, segunda camada de passageiros, segunda camada de bagagens; e em cima de tudo isto o penso para os garranos, os merendeiros e os varapaus dos passageiros, e no ar, a um lado, seguro da almofada pela cinta, seguro do guarda-lamas pelas pernas, o cocheiro levado a bruços pelos viajores.

Para quem olha de longe, a carruagem desapparece completamente sob a enorme massa viva, e não se vê mais que um inverosimil cacho de gente agarrada uma á outra por um engaço mysterioso, bamboleando ao sol, oscillando da direita para a esquerda e da esquerda para a direita e proseguindo lentamente, levado por duas formigas.

Chegados ao termo da viagem, na praça mais espaçosa da povoação, os garranos param, a carruagem esvazia-se, e a praça enche-se.»

Ramalho Ortigão, in Novo Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro para o anno de 1895.

17 de fevereiro de 2007

17. Momento neo-romântico

O regresso a casa era sempre vivido com ansiedade. Os teus braços abertos eram a visão antecipada. A viagem medida segundo a segundo, metro a metro, até à porta de entrada. O conta-quilómetros preguiçoso, as imagens conhecidas de cor.
O brando Inverno unia-nos no calor desumano. Sem palavras, só os gestos existem, vagarosos e calculados.

16 de fevereiro de 2007

16. Jornais de Agosto

Apesar de me ocupar uma assoalhada adicional, tem alguma graça arrumar jornais com alguns meses de desfasamento. Por exemplo, hoje recordei que em Agosto era notícia que «grávidas de Elvas escolhem Badajoz para ter bebés». E lembrei-me, com requintada ironia, que em breve as grávidas de Elvas não vão precisar de fazer abortos em Badajoz.
Ao contrário dos poderes locais e de alguns nacionalistas mais abespinhados acho interessante este intercâmbio internacional com o país vizinho. Acho que vale a pena. Só de pensar nas pratadas de churros fico com vontade de ir visitar as minhas primas de Elvas no recobro pós-parto.
Por outro lado, esta arqueologia faz pensar que, apesar do que se diz, os acontecimentos desenrolam-se com relativa lentidão. Em Agosto era já notícia que «Irão anuncia nova fase do seu programa nuclear». Nesse tempo o nome do presidente iraniano era ainda misteriosamente omitido das reportagens faladas na rádio ou na televisão. De facto, Mahmoud Ahmadinejad não é muito fácil de pronunciar.
A minha requintada ironia faz-me lembrar que a Ásia Central continua a boicotar os media ocidentais: Gurbanguly Mälikgulyýewiç Berdimuhammedow foi esta semana eleito presidente do Turquemenistão. Foi uma lufada de ar fresco num país que foi governado até Dezembro do ano passado por Saparmyrat Ataýewiç Nyýazow que, numa das suas medidas de mais funestas consequências, alterou a designação dos dias da semana e dos meses para nomes de familiares seus. Outras inovações que revelam o grande alcance da sua magistratura foram a proibição da ópera e do balé, o despedimento de todas as enfermeiras do país, o encerramento de todos os hospitais localizados fora da capital e a proibição de maquilhagem na televisão. Como atenuante tem o facto de toda a família ter sido morta num terramoto em 1948, tendo Saparmyrat sido educado num orfanato soviético. Em resumo, não gostaria de me cruzar na rua com um enfermeiro nacionalista turcomeno abespinhado. Mesmo em Agosto.

15 de fevereiro de 2007

15. Não devemos descansar enquanto...

... não construírem o TGV Fátima - Felgueiras.

14 de fevereiro de 2007

14. Diário da República

Em 2006 foram publicadas 60 Leis, 257 Decretos-Leis, 3 288 Despachos, 1 648 Portarias, 29 Acórdãos, 3 Alvarás, 8 Anúncios, 756 Avisos, 133 Declarações, 99 Declarações de Rectificação, 213 Decretos, 113 Decretos Legislativos Regionais, 21 Decretos Regulamentares, 44 Decretos Regulamentares Regionais, 24 Deliberações, 354 Despachos Conjuntos, 67 Despachos Normativos, 1 Edital, 1 Instrução, 5 Leis Orgânicas, 102 Listagens, 3 Mapas, 2 Mapas Oficiais, 1 Norma, 6 Pareceres, 1 Protocolo, 128 Rectificações, 40 Regulamentos, 5 Relatórios e 319 Resoluções. (Fonte: Digesto.)
Fiquei um pouco abalado pela aparente decadência do alvará e do edital.

13 de fevereiro de 2007

13. Sebastián

Em 2007 diz-se muito «Era preferível que isto aqui fosse a Espanha.» Talvez fosse. Ou talvez não. Prefiro pensar que «Era preferível que isto aqui fosse a Noruega.» De qualquer das formas não sei se me adaptaria a viver em casas de madeira em florestas e a tomar banho em lagos gelados, enquanto cantarolava alegremente Ja, vi elsker dette landet.
O que me parece claro é que esta mania de «Era preferível que isto aqui fosse [um qualquer país mais desenvolvido que Portugal]» é mais uma manifestação de um velho costume nacional (português e não norueguês): esperar que alguém apareça, afastando com a sua espada o nevoeiro nacional, e resolva todos os problemas sem termos grandes chatices. A ideia é simpática. Agrada-me. Dez milhões de pessoas deitadas na relva a ouvir concertos de harpa, à beira de rios de mel e vodca norueguesa.

12 de fevereiro de 2007

12. Números

A China é a super-potência do século XXI. Desde roupa interior estampada com o Mickey até à destruição de satélites na mais alta estratosfera. É a nossa esperança, dizem uns. É uma ameaça, dizem outros. As avenidas de Pequim são notáveis. Os Jogos Olímpicos de 2008 serão faustosos.
No entanto, há algo que me atormenta: a lista dos mais mortíferos regimes é encabeçada pela República Popular da China. A Alemanha nazi terá no seu notável registo apenas 21 milhões de mortos entre 1933 e 1945. O colonialismo ocidental cerca de 50 milhões durante o século XX. A União Soviética 62 milhões entre 1917 e 1987. A China governada pelo Partido Comunista terá sido responsável, desde 1949, por 77 milhões de mortes, com genocídios de minorias étnicas, assassinatos políticos, massacres, execuções extra-judiciais, períodos de fome em massa e outras atrocidades variadas. Mao Tse Tung, o grande líder até 1976, está à frente da lista dos mais cruéis ditadores de sempre.
As simpáticas relações comerciais, diplomáticas e culturais com a China são comparáveis com um tratado de amizade e cooperação com o regime nazi? Ou são piores? Nos anos 40, Portugal vendia volfrâmio em troca de dentes de ouro derretidos. Hoje, a China, ainda governada pelo mesmo partido, é um estado respeitável com quem mantemos relações proveitosas. Afinal a China é a super-potência do século XXI. Não vamos falar de coisas aborrecidas: é preciso ser construtivo.

9 de fevereiro de 2007

9. Candide

«Après le tremblement de terre qui avait détruit les trois quarts de Lisbonne, les sages du pays n'avaient pas trouvé un moyen plus efficace pour prévenir une ruine totale que de donner au peuple un bel auto-da-fé; il était décidé par l'université de Coïmbre que le spectacle de quelques personnes brûlées à petit feu, en grande cérémonie, est un secret infaillible pour empêcher la terre de trembler.»

«On se mit à table, et après un excellent dîner, on entra dans la bibliothèque. Candide, en voyant un Homère magnifiquement relié, loua l'illustrissime sur son bon goût.
- Voilà, dit-il, un livre qui faisait les délices du grand Pangloss, le meilleur philosophe de l'Allemagne.
- Il ne fait pas les miennes, dit froidement Pococuranté; on me fit accroire autrefois que j'avais du plaisir en le lisant; mais cette répétition continuelle de combats qui se ressemblent tous, ces dieux qui agissent toujours pour ne rien faire de décisif, cette Hélène qui est le sujet de la guerre, et qui à peine est une actrice de la pièce; cette Troie qu'on assiège et qu'on ne prend point, tout cela me causait le plus mortel ennui. J'ai demandé quelquefois à des savants s'ils s'ennuyaient autant que moi à cette lecture. Tous les gens sincères m'ont avoué que le livre leur tombait des mains, mais qu'il fallait toujours l'avoir dans sa bibliothèque, comme un monument de l'antiquité, et comme ces médailles rouillées qui ne peuvent être de commerce.»

«Martin aperçut des rayons chargés de livres anglais.
- Je crois, dit-il, qu'un républicain doit se plaire à la plupart de ces ouvrages, écrits si librement.
- Oui, répondit Pococuranté, il est beau d'écrire ce qu'on pense; c'est le privilège de l'homme. Dans toute notre Italie, on n'écrit que ce qu'on ne pense pas; ceux qui habitent la patrie des Césars et des Antonins n'osent avoir une idée sans la permission d'un jacobin. Je serais content de la liberté qui inspire les génies anglais si la passion et l'esprit de parti ne corrompaient pas tout ce que cette précieuse liberté a d'estimable.»

8 de fevereiro de 2007

8. Decreto-Lei

Todos os programas de rádio ou de televisão sobre temas medievais [seja sobre as lendas, os reis, as guerras, a arte, a religião ou qualquer outro assunto relacionado com a Idade Média] terão, como música de fundo, o som de uma flauta.

7 de fevereiro de 2007

7. Frente a Frente

O Ressio (OR) inaugura hoje a rubrica «Frente a Frente», subordinada desta vez ao referendo sobre o aborto que se realiza no próximo dia 11 de Fevereiro. Convidámos duas personalidades que são conhecidas pelas suas posições sobre o assunto. A primeira, simpatizante do Não, esteve à frente dos destinos de Portugal durante 15 anos, tendo sido Chefe de Estado titular durante 39. O seu nome é Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, mais conhecida como Dona Maria I, a Piedosa (DMI). O segundo convidado foi primeiro-ministro durante um dos períodos mais difíceis do país, em particular da cidade de Lisboa. O seu nome é Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de Pombal (MDP) e é adepto no Sim.
OR - Bem-vindos a O Ressio. Peço que cada um dos intervenientes apresente brevemente a sua posição sobre o referendo sobre o aborto. Pode começar a Dona Maria I.
DMI - Muito boa tarde. Em primeiro lugar quero felicitar O Ressio por esta iniciativa. Penso que é um assunto muito importante e fico feliz por também poder participar na votação de domingo. Estou inscrita na Junta de Freguesia da Ajuda e tenciono ir votar com o meu marido logo pela manhã. E tenciono votar Não porque, veja bem, uma mulher que engravida é porque andou enrolada com um camareiro ou moço de cavalariça. Se andou enrolada é para ter a criança. E depois logo se vê. Ou vai desterrada para o Pará ou manda-se a criança para as galés. Agora andar a pagar abortos nem pensar.
MDP - Ah ah ah. Com todo o respeito, Sua Majestade é louca. Aliás, depois do que ouvi aqui penso que não é preciso dizer mais nada sobre isso. Nem entendo a ideia de convidarem uma pessoa que perdeu o juízo em 1792 para discutir um tema destes. Eu também vou votar, mas voto Sim. Eu penso que a mulher tem direito de decidir o que faz com o seu corpo. Não vou ser eu a mandar esquartejar em Belém uma abortadeira ou uma mulher que faz isso. Isso é lá com elas...
DMI - E com a criança, que vai cair numa qualquer latrina pública. São uns assassinos. Um embrião é uma vida. Um ser humano. Eu tive sete filhos. Vi morrer seis. Sei o que é ...
MDP - Não vamos começar com essas choradeiras do costume. Isso é conversa para os seus amiguinhos padres. A verdade é que o aborto é uma decisão médica privada. É algo que fica entre a mulher e o seu médico. O Estado não tem que andar a proibir ou a permitir...
DMI - Não me admira que este Senhor pense assim. Afinal a vida significa pouco para ele. As pessoas que mandou matar. Minhas amigas. Conhecia muito bem. Nunca me saiu da cabeça o que aconteceu à ...
MDP - Tretas. Agora que não tem argumentos põe-se a falar de política. A mim não me dá lições de democracia. Eu estive em Belgrado! Eu fui lá falar com o ... com o ... Enfim, eu fui lá falar. Eu sei o que é a vida. E a vida humana não é um embrião com dez semanas. Tenha paciência, Dona Maria, mas é melhor arranjar uma outra maneira de discutir.
DMI - Ah, pois. Para si não é vida nem com dez semanas, nem com um ano, nem com trinta. É sempre carne para triturar. Esta foi boa... A mim não me apanha ele. Eu não sou carne para triturar. Ah, pois.
MDP - Ah, pois. Essa escapou-se-me bem. Agora também já não tenho saúde. Enfim...
OR - Ah, pois. Assim, terminamos o nosso «Frente a Frente». Agradeço aos nossos dois convidados, Dona Maria, Dom Sebastião José. Boa tarde.

6 de fevereiro de 2007

6. Certeza

Ao contrário de muitas outras coisas é certo que todos os anos há mais um filme do Woody Allen.

2006 Scoop
2005 Match Point

2004 Melinda & Melinda

2003 Anything Else

2002 Hollywood Ending

2001 The Curse of the Jade Scorpion

2000 Small Time Crooks

1999 Sweet and Lowdown

1998 Celebrity

1997 Deconstructing Harry

1996 Everyone Says I Love You

1995 Mighty Aphrodite

1994 Bullets Over Broadway

1993 Manhattan Murder Mystery

1992 Husbands and Wives

1992 Shadows and Fog

1990 Alice

1989 Crimes and Misdemeanors

1988 Another Woman

1987 September

1987 Radio Days

1986 Hannah and Her Sisters

1985 The Purple Rose of Cairo

1984 Broadway Danny Rose

1983 Zelig

1982 A Midsummer Night’s Sex Comedy

1980 Stardust Memories

1979 Manhattan

1978 Interiors

1977 Annie Hall

1975 Love and Death

1973 Sleeper

1972 Everything You Always Wanted to Know About Sex * But Were Afraid to Ask

1971 Bananas

1969 Take the Money and Run

1966 What’s Up, Tiger Lily?

O próximo passo é memorizar esta lista. Stardust Death, não Stardeath Dust, Manhattan Over Broadway, Maluda & Maluda...

5 de fevereiro de 2007

5. para a Meia-Noite

Faltam cinco minutos para o Dia do Juízo Final, de acordo com o Bulletin of the Atomic ScientistsDoomsday Clock. Isto quer dizer que a humanidade está mais perto da sua destruição completa. Já estivemos pior: entre 1949 e 1959 e entre 1981 e 1987, durante as fases mais cortantes da Guerra Fria. Talvez comece de novo a ser boa ideia montar uma empresa de construção de abrigos subterrâneos. E fico feliz por ter abastecido hoje o meu armário de mantimentos com shortcakes de chocolate e mini-croassãs.

4 de fevereiro de 2007

4. Voto

Falta uma semana para o referendo. Talvez esteja fora de moda, mas adoro votar e ver os resultados na noite das eleições. Não percebo como há sempre tanta abstenção. Apesar de tudo o voto ainda é a melhor barreira contra isto:

3 de fevereiro de 2007

3. Calgary

Reparei que cerca de 6% dos três leitores habituais de O Ressio é residente em Calgary, cidade cujo lema é «Coração do novo Oeste». Os detalhes estão na wikipédia, mas o importante é que é a maior cidade de Alberta, uma das províncias soberanas da federação do Canadá. É interessante ser acidentalmente interceptado por alguém que reside num local do qual, à semelhança de Kamchatka, só se fala quando se joga Risco( r). E é pena, pois é raro ler na nossa imprensa todos os massacres e violações de direitos humanos de inocentes que por aí se passam. Nós próprios perdemos, numa ocasião, 32 exércitos nessa província. Fico a aguardar notícias de Petropavlovsk-Kamchatski.

2 de fevereiro de 2007

2. A miragem

Durante quatro dias ela está no horizonte, a mítica Sexta-feira, o dia de Vénus em outras culturas menos propensas a sistemas matemáticos. E quando chega finalmente só consigo pensar no mítico Sábado, o dia de Saturno em outras culturas menos propensas a sistemas bíblicos. Não consigo entender o fascínio pelo fim de semana. É sempre um período demasiado curto que termina com grande angústia na noite de Domingo, o dia do Sol em outras culturas menos propensas ao drama. Mas o interessante é que tudo se repete a partir de Segunda-feira, o dia da Lua em culturas com os pés menos assentes na Terra, de manhã. É (mais) um ciclo reconfortante de ansiedade, expectativa, frustração e decepção. Por isso se deseja bom fim de semana como, em 1940, se desejava boa viagem a um piloto da RAF.

1 de fevereiro de 2007

1. O Pónei

Excerto do episódio do pónei da comédia televisiva Seinfeld:

«JERRY: Horses. They're like big riding dogs.
ELAINE: What about ponies? What kind of abnormal animal is that? And those kids who had their own ponies..
JERRY: I know, I hated those kids. In fact, I hate anyone that ever had a pony when they were growing up.
MANYA: ... I had a pony.
(The room is dead quiet)
JERRY: ... Well, I didn't really mean a pony, per se.
MANYA: (Angry) When I was a little girl in Poland, we all had ponies. My sister had pony, my cousin had pony, ... So, what's wrong with that?
JERRY: Nothing. Nothing at all. I was just merely expressing...
HELEN: Should we have coffee? Who's having coffee?
MANYA: He was a beautiful pony! And I loved him.
JERRY: Well, I'm sure you did. Who wouldn't love a pony? Who wouldn't love a person that had a pony?
MANYA: You! You said so!
JERRY: No, see, we didn't have ponies. I'm sure at the time in Poland, they were very common. They were probably like compact cars..
MANYA: That's it! I've had enough! (She leaves the room)
ISAAC: Have your coffee, everyone. She's a little upset. It's been an emotional day.
(Isaac leaves, everyone looks at Jerry)
JERRY: I didn't know she had a pony. How was I to know she had a pony? Who figures an immigrant's going to have a pony? Do you know what the odds are on that? I mean, in all the pictures I saw of immigrants on boats coming into New York harbor, I never saw one of them sitting on a pony. Why would anybody come here if they had a pony? Who leaves a country packed with ponies to come to a non-pony country? It doesn't make sense... am I wrong?»

Larry David and Jerry Seinfeld, in «The Pony Remark», 1991